quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Contos de morte e vida



Um Ovo.


Você estava a caminho de casa quando morreu.

Foi um acidente de carro. Não foi nada particularmente memorável, mas ainda assim fatal. Você deixou uma mulher e duas crianças para trás. Foi uma morte indolor. Os paramédicos tentaram o melhor para salvá-lo, mas não havia jeito. Seu corpo estava tão estraçalhado que você estava melhor morto, confie em mim.

Foi então que me conheceu.

"O q...o quê aconteceu," você perguntou "e onde estou?"

"Você morreu" respondi, dando os fatos. Não havia sentido em amenizar as coisas.

"Tinha um...caminhão e ele estava rabeando..."

"Sim", eu disse.

"E-eu...morri?"

"Sim. Mas não se sinta mal com isso, afinal todo mundo morre."

Você olhou em volta, e não havia nada além de nós dois. "O que é esse lugar," você perguntou. "isso é a vida após a morte?"

"Mais ou menos".

"Você é Deus?"

"Sim", respondi, "Eu sou Deus".

"Meus filhos...minha mulher..."

"O que tem eles?"

"Eles ficarão bem?"

"É isso que eu gosto de ver, você acabou de morrer e sua maior preocupação é a sua família. Isso é importante!"

Você me olhava fascinado.Para você, eu não parecia Deus, e sim algum homem... ou talvez uma mulher. Eu parecia uma figura vagamente autoritária, talvez um professor de gramática, nada como O Todo Poderoso.

"Não se preocupe, eles ficarão bem. Seus filhos se lembrarão de você como alguém perfeito em todos os sentidos. Eles não tiveram tempo de se decepcionar com você. Sua mulher chorará por fora, mas estará secretamente aliviada. Sendo justo, seu casamento estava desmoronando.E se serve de consolo, ela se sentirá culpada de tanto alívio."

"Bom, e o quê acontece agora? Eu vou para o Céu ou para o Inferno?

"Nenhum dos dois, você vai reincarnar."

"Ah, então os hindus tinham razão?"

"Todas as religiões estão certas da própria maneira" respondi."Vamos caminhar"

Você me acompanhou enquanto seguíamos pelo vazio. "Onde estamos indo?"

"Nenhum lugar em particular, é que eu acho bom caminhar enquanto conversamos."

"Então, qual é o sentido nisso, se quando eu renascer serei apenas um bebê, com tudo em branco. Todas as minhas experiências e conhecimento não valerão de nada."

"Não é bem assim. Você tem dentro de si todo o conhecimento e experiências de todas as suas vidas anteriores. Só não lembra delas agora."

Eu parei de andar e o tomei entre os ombros. "Sua alma é mais magnífica, bela e gigantesca do que você poderia sequer imaginar. Uma mente humana só pode conter uma fração ínfima de quem você é. É como colocar seu dedo num copo de água para saber se está quente ou fria. Você coloca uma pequena parte de você no mundo, e adquire a experiência que ela passa."

"Você esteve nessa vida humana pelos últimos 48 anos, então você ainda não se situou a ponto de sentir o resto de sua imensa consciência.Se nós ficássemos por aqui tempo o bastante, você lembraria de tudo. Mas não teria sentido fazer isso entre cada reencarnação."

"Quantas vezes eu já reincarnei?"

"Ah, muitas, muitas vezes! E muitos tipos diferentes de vidas. Na próxima, você será uma garota camponesa da China, no ano de 540 DC."

"Ei, espera aí, você vai me mandar de volta no tempo?"

"Bom, tecnicamente sim, eu acho. Tempo, como você o conhece, existe apenas no seu Universo. As coisas são diferentes de onde eu venho."

"De onde você vem..."

"Ah, sim, eu venho de um lugar. Um outro lugar. E há outros como eu. Eu sei que gostaria que eu lhe contasse como é lá, mas honestamente, você não entenderia."

"Oh...Mas espera, se eu reincarnar em outros períodos de tempo, quer dizer que posso ter interagido comigo mesmo em algum momento!"

"Claro, isso acontece o tempo todo. Com ambas as vidas conscientes apenas de seu próprio período, você sequer imagina que isso está acontecendo."

"Então, qual é a razão de tudo isso?!"

"Sério, você está realmente me perguntando qual é o sentido da vida? Isso não é meio típico demais?"

"Bem, é uma pergunta razoável." Você tentou insistir.

Eu o olhei nos olhos. "O sentido da vida, a razão pela qual eu criei esse Universo, é para seu amadurecimento."

"Você quer dizer a humanidade? Você nos quer mais maduros?"

"Não, apenas você. Eu fiz todo o Universo para você. Com cada vida, você cresce, amadurece e se torna um maior e mais completo intelecto."

"Só eu? E quanto a todos os outros?"

"Não há mais ninguém, nesse universo estamos só você e eu."

Você me olhava totalmente estupefato. "Mas e todas as pessoas da Terra..."

"Você. Todos eles são diferentes encarnações suas."

"Espera, eu sou todo mundo?"

"Agora estamos chegando lá." Eu disse com um tapinha congratulatório nas suas costas.

"Eu sou todos os humanos que já viveram?"

"E todos os que viverão, sim."

"Eu fui Abraham Lincoln?"

"E John Wilkes Booth também."

"Hitler?"

"E os milhões que ele matou."

"Eu sou...Jesus?"

"E todos os que o seguiram."

Nesse momento, você ficou em silêncio.

"Toda vez que você matou alguém, estava matando a si mesmo. Cada ato de bondade que cometeu, era também no seu próprio benefício. Cada momento de alegria ou tristeza que qualquer ser humano já teve ou terá, era seu."

Você pensou por um longo tempo.

"Por quê fazer tudo isso?"

"Pois um dia, você será como eu. Porquê é o que você é. Você é da minha espécie. Você é meu filho."

"Opa, opa! Quer dizer que eu sou um deus?"

"Não, ainda não. Você é um feto. Ainda está crescendo. Assim que viver todas as vidas humanas através do tempo, terá crescido o bastante para nascer."

"Então, todo o Universo, e tudo que há nele..."

"Um ovo. E agora, é hora de você seguir em frente para sua próxima vida."

E o coloquei a caminho.



Passei os olhos por esse texto que um amigo indicou, achei que deixá-lo para vocês seria um presente tão bom quanto foi pra mim!

***Tank you, Andy Weir.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Numa segunda qualquer.






Fear of the dark ' nos head phones.  Impossivel coincidência maior, não é Pandora? Apesar de ter falado em música estava mesmo pensado era em filmes. Fazia muito tempo que não me dedicava à assistir algum. Culpa das malignas gincanas!


Enfim, assisti  "A Árvore da Vida" ontem, já tinha retirado umas 10 vezes na locadora e acabava sempre desistindo de olhar. Confesso que Malick me supreeendeu. Mais de duas horas de filme, porém um prato cheio para quem gosta de apreciar uma obra que faz pensar, que questiona e filosofa.

O filme é de uma sensibilidade e sutileza que acaba despertando na gente uma série de emoções. Não me considero uma pessoa religiosa, sim de fé. Não tenho crenças associadas a nenhuma entidade, nenhuma instituição. Por isso acho que curti tanto! Não me entendem mal. Não falo contra igreja, ou isso ou aquilo. Daqui a pouco vocês vão me entender. Prometo!

O começo confuso quase atormenta e meio que dispersa, até porque a mente demora a se abrir para a visão exposta. Conforme desenrola a história dá para perceber que ali existe muito mais do que imagens bonitas e takes com paisagens e fotografia fantásticas. São tantos detalhes complexos... quem não curte psicologia, física,  leis de formação da natureza e do ser humano e a relatividade, desista! E claro, quem estiver sem paciência também.

A fusão de imagens que podemos ver em todo decorrer do filme na verdade tem o objetivo de mostrar uma perspectiva da vida, que como numa árvore, uma coisa deriva de outra, na existência tudo está interconectado. Mostra também a necessidade que temos de proteção e de alguém para nos dizer alguma coisa. Daí também, o surgimento e a necessidade das religiões para alguns.
  
O filme é uma viagem! Mas a 'good one'.  Passa pelos mistérios da vida e os questionamentos que todo ser humano faz, pelo menos, em algum momento de sua existência, permeado por fragmentos de memórias e cenas do cotidiano de uma família comum, formada por um casal que acaba por perder um de seus três filhos.

Fica a impressão boa de que nós não somos, nós passamos. Surgimos e nos projetamos de acordo com as leis universais de representação de cada estrutura do universo. Nós somos fruto do contraste divino entre a força da natureza e a vida humana, limitados por nossos instintos, mas dotados da possibilidade da graça, da doação ao próximo, do amor altruísta, do perdão. 

Identifiquei-me muito como a narrativa que ensina a libertar dores do passado para poder aproveitar o presente e ter esperança no futuro.  É sempre bom lembrar-se dessas coisas, né? 

E quem nunca buscou respostas sobre o divino e o infinito, quando se deparou com algum fato que trouxesse à tona a brevidade da vida, como a perda de alguém querido? Ou a perda de um amor, de um amigo, um irmão? A pior dor é a da saudade e a dor do arrependimento, de talvez não ter tido tempo de dizer o necessário, de ter feito e dito mais, ou ter feito algo diferente.  A dor do tempo perdido. Algo que só é capaz de se reerguer com amor.

No caminho da evolução e da vida, nos resta nos aprofundarmos nesse mar de mistérios.  Tarefa difícil, até porque o ser humano não tem capacidade de assimilar a natureza como ela realmente é. Somos limitados de sentidos.  Mas filmes como esse parecem despertar uma consciência adormecida do contato com o divino. Ele nos deixa essa dica de modo complexo e profundo, e pensando bem, não teria como ser diferente...

"Diante do universo o que deve para sempre restar em nós é o sentimento de magia, de mistério e o do querer conhecer incessante".